Situada no extremo sudoeste do concelho, de que é a segunda maior freguesia, dista oito quilómetros da cidade de Coimbra.
Numerosos vestígios atestam a presença dos povos hispano-romanos na
freguesia, mas é com a fixação da capital em Coimbra, no reinado de D.
Afonso Henriques, que se inicia o desenvolvimento da povoação. Ao
tempo, graças às influências dos mosteiros dos cónegos regrantes de
Santo Agostinho e de Celas, que aqui possuíam extensas propriedades.
Desse tempo, restam alguns rodízios na ribeira de Cernache e seus
inúmeros pequenos afluentes, a testemunhar a importância de tal
actividade no passado. Na verdade, grande parte dos cereais consumidos
em Coimbra foi durante séculos farinada pelos moleiros desta freguesia,
que cobravam uma certa maquia estabelecida pela Câmara da cidade.
Cernache foi concelho, com Câmara e todos os funcionários
administrativos e judiciais necessários, chamando-se então Cernache dos
Alhos, pela abundância e boa qualidade destas liliáceas que os seus
campos férteis produzem. É daqui que sai também a maior parte da cebola
que se vende enrestiada nas feiras de S. Bartolomeu em Coimbra ou nas
de Soure e Montemor.
Elevada a vila em 1420, por carta de D. João I, que entregou o senhorio
a seu filho D. Pedro, duque de Coimbra, Cernache recebeu mais tarde o
seu foral, concedido por D. Manuel I, em 15 de Setembro de 1514, mercê
que o decreto de 6 de Novembro de 1836 suprimiu.
Da sua história ressaltam, ainda, os donatários ilustres. Assim, no
século XVI, foi de Gonçalo Nunes Barreto, a quem D. Fernando concedeu a
jurisdição civil, em 1376. O infante regente D. Pedro doou a povoação,
juntamente com Almalaguês e Sobreiro, a Guilherme Arnao, fidalgo inglês
vindo no séquito da rainha D. Filipa, como mordomo. Muito ligado ao
infante, morreu com ele na batalha de Alfarrobeira. Dele descendem os
Arnaut.
A sede da freguesia, que começou a estender-se ao longo da Estrada
Nacional n.º1, esteve desde tempos muito antigos ligada a Coimbra. Nas
imediações passava a estrada romana de Lisboa a Braga, e os peregrinos
chegavam a esta vila, onde Álvaro Anes de Cernache fundara um hospital
e uma albergaria especialmente para os acolher. Sobre esta escreveu
Giovanni Confalonieri, em 1594: "Tem uma hospedaria bem cuidada, com
serviço de pratos, por certo parecido com Itália".
À entrada de Cernache, assinalada por um torreão de gosto romântico,
fica a antiga Quinta dos Conde de Esperança, com o seu parque
agradabilíssimo de grutas e altos plátanos, que já teve fama de ser uma
das melhores do País. Foi adquirida pela Companhia de Jesus, que ali
instalou um bem apetrechado colégio dirigido pelos padres jesuítas.
A
igreja matriz testemunha o passado histórico da vila, apresentando
vestígios dos séculos XIII-XIV, românicos, na sacristia e capela-mor. O
corpo, renascentista, sofreu grandes ampliações no século XVI, ganhando
um notável efeito decorativo no interior, por causa das suas elegantes
capelas laterais. Possui ainda um notável conjunto de obras de arte, de
que se destacam a estatuária pétrea da Renascença coimbrã, uma
credência, também de calcário de Ançã, da época de D. João V, os
azulejos, datados de 1770 e fabricados em Coimbra, e o retábulo
maneirista. Na capela do Santíssimo, a merecer a maior atenção é o
famoso relevo de alabastro de Nottingham, considerada a mais bela
escultura de todas quantas se fizeram em Inglaterra no século XIV.
Representa a Coroação da Virgem e terá vindo para Portugal com o
séquito de D. Filipa de Lencastre, pela mão de Guilherme Arnao, senhor
da povoação.
Cabeça
do aeródromo de Coimbra, o ainda hoje conhecido por Aeródromo de
Cernache estende-se pela freguesia vizinha. A antiga vila viu
desaparecer as suas indústrias tradicionais, a da moagem e a de escovas
e vassouras, para, em seu lugar, surgirem as indústrias de cerâmica,
alimentares e muitas outras de menor dimensão.
O pintor Belchior da Fonseca seria possivelmente natural de Cernache,
pois aqui residiu na segunda metade do século XVI. Um dos mais ilustres
filhos da terra foi, porém, Álvaro Anes de Cernache, que foi
porta-bandeira da Ala dos Namorados na Batalha de Aljubarrota e
anadel-mor dos besteiros a cavalo.