Situado numa zona granítica de transição e paisagem tipicamente beiraltina, o concelho de Moimenta da Beira confronta a norte com Armamar e Tabuaço, a sul com Sátão, Sernancelhe a leste e, a poente, Tarouca e Vila Nova de Paiva.
O concelho estende-se por uma área aproximada de 219 Km2 e engloba 20 freguesias: Aldeia de Nacomba, Alvite, Arcozelos, Ariz, Baldos, Cabaços, Caria, Castelo, Leomil, Moimenta da Beira, Nagosa, Paradinha, Paçô, Pera Velha, Rua, Sarzedo, Segões, Sever e Vilar.
É relativamente recente a história da municipalidade moimentense mas não as origens do território que constitui o actual concelho. Vestígios pré-históricos são abundantes e dispersos: dólmen no planalto da Nave, castro de Caria (desaparecidos), castro lusitano-romano de Sanfins (Paçô), sobranceiro a Mondim da Beira, e outros, como os restos do castro amuralhado de Peravelha, a sudoeste da sede do municipío.
Nos fins do séc. X, Almansor arrasou a região e os seus axércitos destruiram a povoação e o Castelo de Caria que a dama goda D. Chama deixara ao Mosteiro de S. Joãp de Tarouca, o convento pré-nacional das Arcas (lugar da freguesia de Sever) foi destruído e as monjas (beneditinas) degoladas, incluindo a abadessa bComba Osores. A extensa e importante honra de Caria, com o papel decisivo (a par do couto de Leomil) no repovoamento da região, foi doado - por D. Afonso Henriques - a Egas Moniz e a Mem Moniz.
Caria, no tempo dos godos, foi uma das seis igrejas matriz do episcopado lamecense.
Caria e Leomil elevaram-se, então, em importância, podendo atribuir-se-lhes, com segurança, as origens de Moimenta que, ou não existia, ou seria povoação insignificante nessa altura. Aliás, tinham municipalidade própria no séc. XIII, embora com subordinação ao julgado de Castro Rei (Hoje Tarouca). Mais tarde, a vila de da Rua herdou a sede do concelho de Caria, aparecendo Moimenta, com município próprio, desligado deste último no séc. XV.
Refira-se, a propósito da freguesia de Rua, que aqui existiu um convento de S. Francisco de Assis parou na vinda de Assis, Itália, e em honra do qual se mandou construir tal mosteiro.
No liberalismo, o concelho englobava a sede, Baldos, Cabaços e Paradinha. Havia, para além dele, mais sete municípios na área do actual, eliminados a favor de Moimenta, que deve às reformas de 1834 a promoção, em desfavor de outras cabeças de concelho bem mais antigas e reduzidas à categoria de freguesias.
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Imagem I - Orca Grande, Peravelha
Até ao presente momento, os mais antigos vestígios arqueológicos da presença do Homem no concelho de Moimenta da Beira remontam ao V.º milénio antes de Cristo. Mas é bem possível que as primeiras comunidades aqui se tenham instalado um pouco antes.
Comprovando esta ocupação pré-histórica, são diversos os vestígios datáveis do Período Neolítico encontrados no planalto da Nave, apesar da maioria se perder através da decomposição normal, da devastação da Natureza e dos estragos voluntários ou acidentes causados pelo Homem.
Trata-se de túmulos, com características monumentais, conhecidos localmente por orcas, dólmenes ou antas. Este tipo de arquitectura e técnicas de construção designa-se por megalitismo.
Do ponto de vista construtivo, estes túmulos (ver imagem I) são constituídos por grandes pedras aproveitadas ou afeiçoadas, colocadas na vertical. À volta construía-se um montículo à volta, em pedras e/ou terra, com aspecto mamilar (mamoa), que servia de rampa para arrastar as pedras. Além disso, sinalizava o monumento e protegia o(s) defunto(s).
A mamoa encerrava dentro de si uma câmara funerária ligada ao exterior por um corredor mais baixo e com comprimento variável. Pensa-se que os monumentos megalíticos mais antigos sejam as antas sem corredor.
A finalizar, colocavam-se as lajes de cobertura da câmara e do corredor, fechando todo o espaço interno do túmulo, tornando-o escuro e secreto.
Podemos imaginar a deposição do(s) defunto(s) como que um regresso do ser humano ao ventre materno (Terra Mãe).
No interior destas sepulturas eram depostos os cadáveres e diversos objectos pessoais (machados de pedra polida, lâminas, pontas de seta, objectos de adorno, etc.).
O acto de selar para sempre estes túmulos era igualmente acompanhado por práticas rituais, através de fogueiras no local de acesso ao interior do sepulcro.
A diversidade destes monumentos leva-nos a conceder a cada um deles uma personalidade própria que, para além de sepulturas de inumação, foram também locais de culto e de união entre as populações.
À semelhança de outros pontos do território nacional, conclui-se que o planalto da Nave constitui um vasto e rico espaço de progressiva necropolização e monumentalização.
Pode-se imaginar toda esta vasta área como um local de deambulação periódica de pequenas comunidades que perpetuaram os seus antepassados através da edificação destes grandiosos túmulos. Estas sociedades construtoras eram constituídas por pastores que sobreviviam sobretudo do pastoreio, caça, pesca, recolecção e alguma agricultura. Abrigavam-se entre as rochas ou construíam pequenas estruturas de madeira. Ainda não dominavam a técnica do uso dos metais, fabricando os seus instrumentos em pedra, osso ou madeira. Do ponto de vista social, seriam representadas por um chefe onde respeitavam-se os mais velhos.
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Imagem II - Estátua-Menir de Alvite
Além dos dólmenes, também foram erguidos menires. Trata-se de monólitos (ver imagem II), de diversas dimensões, com aspecto rude ou afeiçoado. Estes monumentos não tumulares, destinados a serem fixados erectos no solo, podem aparecer isoladamente ou agrupados em alinhamentos ou cromeleques (recintos de formas e dimensões variáveis), ou associados a outros monumentos megalíticos (dólmenes ou antas).
Crê-se que estes monumentos, segundo alguns investigadores, revestem-se de um significado simbólico-religioso associado ao culto da fecundidade, do Homem e da Natureza, devido à configuração fálica e/ou humana que, em geral, os caracteriza. Poderão igualmente relacionar-se com cultos ancestrais, acontecimentos importantes da(s) comunidades(s) que se pretendiam perpetuar, marcos territoriais (sinais de orientação na paisagem ou marcos delimitadores de um túmulo ou santuário), lugares de observação astronómica (relacionados eventualmente com a construção de calendários) ou áreas sagradas.
Alguns monólitos apresentam-se decorados com covinhas ou com outros motivos de carácter simbólico, sendo muito frequentes os círculos, os sóis radiados, as linhas onduladas e as figuras em forma de U.
No planalto da Nave, foram identificadas também duas estátuas-menires que podem ser inseridas cronologicamente na transição do III.º para o II.º milénio a. C. (Calcolítico/Idade do Bronze).
Uma (Estátua-Menir da Nave I ou de Peravelha) estará na sua posição original. Mede, acima do solo, 1,36 m de altura, 0,56 m (base) e 0,42 m (topo) de largura. Os lados medem 0,24/0,31 m (base) e 0,10 m (topo). As faces e os lados são insculturados. A face anterior está orientada para Este/Nordeste.
A outra (Estátua-Menir da Nave II ou de Alvite), pelas suas dimensões e informações orais, não terá sido muito deslocada do seu local de origem. Esta peça escultórica foi encontrada em 1999 (CRUZ), no sítio do Trogal, a Sul/Sudeste da povoação de Alvite, da qual dista cerca de 2 km.
Trata-se de uma escultura antropomórfica, em granito de grão fino e médio, de configuração sub-rectangular. A face anterior e os lados são insculturados. A base encontra-se fragmentada.
Estas duas peças, pelas características antropomórficas que possuem, são de extrema importância patrimonial face à raridade das mesmas no Norte e Centro do território nacional.
No entanto, os monumentos megalíticos não foram as únicas manifestações pré-históricas implantadas no território que hoje constitui o concelho de Moimenta da Beira.
Com o advento da metalurgia – primeiro o cobre (Calcolítico), depois o bronze e o ferro – assiste-se ao início de uma revolução tecnológica e cultural que foi evoluindo com a descoberta dos respectivos metais. Existe maior quantidade e diversidade de artefactos metálicos em circulação. Verifica-se uma hierarquização das comunidades associada ao desenvolvimento de uma economia agro-pastoril.
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Imagem III - Pormenor da muralha do Castro de Sanfins, Paçô
Surgem-nos povoados no cimo dos montes com defesas naturais excepcionais e/ou amuralhados: o Castro de Sanfins (855 metros de altitude - ver imagem III), o Penedo da Pena em Leomil (920 metros de altitude), o Castelo de Ariz (937 metros de altitude), o Muro de Peravelha (850 metros de altitude), entre outros, a que se podem adscrever cronologias tanto do Calcolítico, como das Idades do Bronze e do Ferro, e até dos Períodos Romano e Alto-Medieval.
Os locais escolhidos para a sua implantação caracterizam-se essencialmente por um excelente domínio visual e pela proximidade de cursos de água.
Também conhecido por Castro de Paredes Secas, o Castro de Sanfins (freguesia de Paçô) é um desses testemunhos da cultura castreja que demonstra a organização dos povos em aglomerados defensivos.
Devidamente sinalizado a partir da EN 226, situa-se a Sudoeste da povoação de Sanfins, da qual dista cerca de um quilómetro, estendendo-se até à área do concelho de Tarouca (Mondim da Beira).
Os primeiros estudos deste local devem-se ao Abade Vasco Moreira (Monografia do Concelho de Tarouca, 1924) e ao Dr. José Leite de Vasconcelos (Memórias de Mondim da Beira, 1933), que registam o aparecimento de fragmentos cerâmicos (olaria doméstica e de cobertura), objectos de pedra (machados de pedra polida, etc.), moedas, objectos metálicos (fíbulas e fivelas de bronze, restos de objectos de ferro) e de vidro, depositados no Museu Etnográfico de Lisboa.
De facto, as prospecções arqueológicas recentemente efectuadas neste local permitiram detectar inúmeros fragmentos de cerâmica à superfície e casas de planta circular, quadrangular, oval e uma cisterna. Podem observar-se também vestígios de duas cintas de muralha que evidenciam a grandeza do seu sistema construtivo, bem como do seu contorno delimitador.
Destaque para um topónimo muito interessante – a Porta do Sol – referindo-se a um dos acessos do lado Sul do povoado.
A par destes povoados de altura, surgem também habitats em sítios abertos, em vertentes suaves ou plataformas aplanadas, próximos de linhas de água e terrenos férteis. No entanto, a escassez de elementos concretos ainda não permitiu uma classificação tipológica e cronológica mais rigorosa destes sítios.
Do ponto de vista histórico, a partir dos finais do século IV antes de Cristo, surge uma potência no Mediterrâneo Ocidental – Roma – que se vai expandir por toda a Europa.
Os Romanos chegaram à Península Ibérica no ano 218 antes de Cristo, no contexto das chamadas Guerras Púnicas que opôs Roma a Cartago pela disputa do controle comercial da bacia mediterrânica.
O período de conquistas só terminaria ao tempo de Augusto, primeiro Imperador de Roma, por volta do ano 30 a. C.
Sob o ponto de vista administrativo, a Hispania (Península Ibérica) ficou dividida em três províncias: a Baetica (Bética), a Lusitania (Lusitânia) e a Tarraconensis (Tarraconense).
O actual território do concelho de Moimenta da Beira ficou integrado no Império. Inicialmente, fez parte da província da Lusitania, cuja capital era Emerita Augusta (Mérida).
Mais tarde, com a criação das circunscrições jurídicas, seria integrado nos limites do Conventus Scallabitanus (Convento Escalabitano), o qual ocupava o território entre o Douro e o Tejo, com a capital em Scallabis (Santarém). Cada conventus subdividia-se em unidades menores que, em extensão, se aproximavam dos nossos actuais distritos – as civitates.
Provavelmente a civitas de Viseu seria a capital de uma civitates, que se chamaria talvez Interamniesia.
Os Interamnenses eram, como a formação da palavra o diz, habitantes de território situado entre dois rios (inter amnes). Foi essa designação aplicada, nos textos clássicos, a povos de diversas regiões.
Para além das cidades, à semelhança do que ainda hoje acontece, também na Época Romana os aglomerados populacionais distribuíam-se por vilas e aldeias. Entre os Romanos, existiam as villae, os vici, os casais e os castella.
À semelhança do que aconteceu no território nacional, o processo de romanização marcou profundamente, e para sempre, a paisagem e os modos de vida do concelho de Moimenta da Beira.
Por sua influência, passou-se de uma economia de montanha, caracterizada por episódicas culturas de cereais e aproveitamento dos produtos dos bosques, para uma economia agrícola, com aproveitamento intensivo dos solos e exploração simultânea do trigo, da vinha, da oliveira e das árvores de fruto.
Assistiu-se à transição dos povoados fortificados (de montanha), caracterizados por casas de pedra solta e telhados de colmo ou lousa, para as povoações abertas, instaladas nas planícies e nos vales, com casas de tijolo ou adobe e cobertas de telhas.
A presença romana nesta região possibilitou o surgimento de novos aglomerados, uma boa rede de estradas, o desenvolvimento da agricultura, do comércio e da circulação monetária. Os costumes, a religião, através das inúmeras divindades romanas e, posteriormente, o Cristianismo, o direito e a língua latina difundiram-se por toda esta região.
Em suma, com a romanização verificou-se uma autêntica difusão e assimilação das estruturas políticas, sociais, económicas, religiosas e culturais por parte dos povos que então habitavam a Península.
A comprovar esta ocupação no concelho, registam-se restos habitacionais de sítios pequenos (casais) e aglomerados populacionais mais densos. Embora não tendo deixado vestígios monumentais (desconhecendo-se tal até ao presente momento), as populações que habitavam esta região parecem ter aderido às inovações latinas, nomeadamente nas suas habitações, passando a utilizar material cerâmico (tegulae, imbrices) na cobertura das casas.
Deste período, especial destaque para os monumentos epigráficos: estelas funerárias e marcos miliários. Estes elementos revelam-se extremamente importantes na obtenção de datações mais precisas.
A acrescentar, com base nos dados bibliográficos disponíveis e na identificação de antigos caminhos, supõe-se que passaria no concelho uma importante via proveniente das terras de Sernancelhe em direcção a Moimenta da Beira.
Embora os vestígios sejam escassos, poder-se-á admitir mesmo que a actual Estrada Nacional n.º 226 corresponderia, em grande parte, ao antigo traçado.
Viseu era na Época Romana, e continuou a sê-lo ao longo dos tempos, um importante centro viário. Essa importância estender-se-ia por toda a região envolvente.
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Imagem IV - Troço de via Aldeia de Nacomba/Carapito
Os Romanos foram exímios na arte de construir estradas tanto em qualidade, como em quantidade. Formaram uma rede composta por vias principais e secundárias, pavimentadas com grandes lajes (ver imagem IV), regularmente marcadas por marcos miliários (colunas viárias de pedra), nas bermas, como informação para os viajantes. Estes marcos estariam colocados a espaços regulares de uma milha romana. Para além de indicarem a distância, mencionavam também o nome do imperador reinante à data da construção ou da reparação da via.
Nesta óptica, os miliários, que também poderiam ser anepígrafos, foram também um elemento de propaganda política do Império Romano.
No entanto, para uma tentativa de demarcação dos traçados de vias romanas, é necessário todo o cuidado, devido ao facto de terem sido utilizadas até muito recentemente, com as consequentes adulterações.
Ainda deste período crê-se que será igualmente um conjunto de estruturas escavadas na rocha conhecidas popularmente por lagarelhos, lagaretas, bicas ou pias dos Mouros.
De acordo com estudos feitos pela Arqueohoje no concelho de Tabuaço (1999), estes lagares encontram-se implantados em zonas rurais e estarão relacionados com a produção de azeite (e provavelmente vinícola). São, em geral, formados por um ou dois pios (tanques) contíguos, estrategicamente desnivelados, associados a pequenas cavidades laterais que serviriam de base de apoio a uma prensa.
O pio posicionado a uma cota superior corresponde ao local onde se processava o esmagamento da azeitona que se ligava por um canal a um segundo pio (mais desnivelado e profundo) que funcionaria como reservatório de água (indispensável para esta produção).
Em Moimenta da Beira foram detectados três (Corujeira, Capela do Mártir, Quinta da Tapada) e, segundo informações orais, terá existido outro no sítio das Fragas da Forca (Bairro dos Sinos) que foi destruído inadvertidamente quando se procedeu o alargamento da área habitacional.
Popularmente conhecidas por Forcas (GUIA, A. Bento da (2001) – As Vinte Freguesias de Moimenta da Beira. 3.ª ed. Viseu: Eden Gráfico), estas estruturas são tradicionalmente associadas a antigos locais de punição que, segundo a crença popular, “ainda se pode observar o canal por onde passaria o sangue”.
Como se pode verificar pelo exposto, a romanização revelou-se expressiva no concelho de Moimenta da Beira, assim como em todo o território nacional. Tal, deve-se ao facto de os Romanos terem permanecido mais de seis séculos (final do século III antes de Cristo – inícios do século V), em território ibérico.
Apesar da grandiosidade do Império Romano, por volta do século V depois de Cristo, assistiu-se à decadência interna das estruturas sócio-políticas e económicas do Império e à chegada avassaladora dos invasores “bárbaros”.
Suevos, Vândalos, Alanos e outros povos irrompem na Península.
Estes povos eram designados “bárbaros” pelos Romanos porque tinham uma cultura completamente diferente. Viviam essencialmente da agricultura, da pastorícia e da metalurgia e eram portadores de valores religiosos e culturais completamente diferentes, embora seduzidos pelo esplendor da civilização romana.
Como se pode verificar, surge, nesta altura, um novo contexto político-social.
A zona de Viseu passou a ser dominada pelos Suevos. Em meados do século VI, dá-se a reconstrução da antiga Hispânia com os Visigodos. É de notar que, sob este domínio, as cidades de Lamego e de Viseu, uma a Norte e outra a Sul do Alto Paiva, constituíram importantes centros urbanos.
O Cristianismo já havia entrado na Península nos últimos séculos de dominação romana.
No entanto, o nosso território seria alvo de novas invasões: os Muçulmanos ou Árabes. A sua chegada à Península aconteceu por volta do ano 711, sem terem deparado com dificuldades na ocupação, aproveitando o estado de fragilidade e decomposição da monarquia visigótica.
Sucederam-se conflitos entre invasores e invadidos, tendo-se estabelecido a fronteira entre Cristãos e Muçulmanos no rio Douro, por volta do século X.
A reconquista pelos Cristãos foi difícil e morosa, não esquecendo que a presença muçulmana no território nacional durou cerca de cinco séculos, quando D. Afonso III, em 1249, conquistou definitivamente o Algarve.
No concelho de Moimenta da Beira, sabe-se que, porém, a permanência muçulmana terá sido muito curta.
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Para este período, sabemos, todavia, que, de acordo com um pergaminho datado do século X (ano 960), Caria teve um castelo. Trata-se de um precioso documento que regista uma doação de bens da condessa D. Flâmula Rodrigues (também conhecida por Chamôa Rodrigues, filha do conde D. Rodrigo Tedones e de D. Leodegúndia Dias), exarada no Livro de Mumadona Dias (sua tia), ao Mosteiro de Guimarães, onde ingressa como devota (Mário Jorge Barroca, Fortificações e Povoamento no Norte de Portugal (séc. IX a XI), PORTVGALIA, Nova Série, vol. XXV).
Entre esses bens contam-se dez castelos:
"... nostros castellos id est Trancoso, Moraria, Longobria, Nauman, Vacinata, Amindula, Pena de Dono, Alcobria, Seniorzelli, Caria, cum alias penellas et populaturas que sunt in ipsa Stremadur..." (PMH, DC 81 = VMH 11).
E a sua identificação parece ser a seguinte: Trancoso corresponde a Trancoso; Moraria a Moreira de Rei; Longobria a Longroiva; Nauman a Numão; Vacinata corresponderá a Muxagata (?); Amindula a Meda; Pena de Dono a Penedono; Alcobria a Alcarva; Seniorzelli a Sernancelhe; Caria a Caria (CINTRA 1984: pp. XXXVI-XXXVII; BARROCA 1990-91: pp. 94-98).
Sem dúvida um documento extremamente importante para o estudo da castelologia medieval portuguesa que nos revela a existência de vários castelos na zona da Beira Interior (a Sul do Douro), a fronteira do espaço interceptado pelas forças cristãs.
Também a respeito do castelo de Caria, em 1758, o Pároco Manuel dos Santos Veloso (Memória Paroquial) escreveu que em uma borda desta vila (Caria) está um outeiro não muito alto com grandes penedos no qual se vêem os alicerces de um castelo e se acham pedaços de ferro e muitos grãos de centeio, trigo e cevada queimada. Não se sabe se este castelo foi do tempo dos mouros se dos antigos cristãos. Ainda este sítio se chama hoje o castelo de Caria.
Com base nestas informações, acredita-se que o referido castelo se situasse no local onde hoje está implantada a Capela da Senhora da Guia, um sítio com aproximadamente 800 metros de altitude.
Porém, as populações que habitaram o actual território do município, durante a Alta Idade Média, deixaram-nos sobretudo vestígios da sua religiosidade e do culto cristão que prestaram aos seus mortos.
Imagem V - Túmulo escavado na rocha da Fonte dos Lobos, Ariz
Este tipo de enterramento (ver imagem V) será dos tempos da Reconquista e Repovoamento do nosso território (enquadrando-se entre os séculos VI e XII) e corresponde a um ritual de inumação em que o defunto seria coberto por um Sudário (pano ou lençol em linho). A encerrar o túmulo, colocava-se uma tampa monolítica ou várias lajes de pequena dimensão dispostas horizontalmente que, em geral, são os primeiros elementos a perder a sua identidade, facto que se explica pela sua reutilização para outros fins, após a violação dos sepulcros.
No que respeita à sua morfologia, estas sepulturas podem assumir a forma não antropomórfica (as que não apresentam a feição do corpo e que podem ter configuração ovalada, rectangular ou trapezoidal) ou antropomórfica (as que manifestam a forma humana).
Contudo, existem também sepulturas inacabadas que não permitem uma classificação tipológica. Alguns investigadores sugerem, como principais causas dessa suspensão, a recuperação do doente, a localização errada em relação a outros túmulos na necrópole, a falta de espaço ou a orientação incorrecta do túmulo.
Com efeito, estes monumentos foram executados com a intenção de perpetuar o local de enterramento (isoladamente ou em grupo) por alguém que saberia trabalhar adequadamente a pedra. De igual modo, estarão associados a enterramentos de estratos sociais mais altos (propositadamente para um indivíduo ou, pelo menos, de utilização limitada) sobretudo pela morosidade e custo da sua execução.
A este respeito, os restos osteológicos humanos (esqueletos) e os objectos de uso pessoal do morto (menos frequentes) encontrados nos túmulos são extremamente importantes, pois permitem-nos conhecer o indivíduo, a causa da sua morte, a sua posição social, assim como as diversas formas de enterramento medieval na região.
Com esta forma de enterramento, coexistiu também o uso de sarcófagos (ou arcas funerárias), de tampas de cobertura e de estelas funerárias, gravadas com iconografia, inscrições e outros elementos. Estes elementos tumulares testemunham os privilégios da classe que dominava a sociedade medieval, profundamente hierarquizada.
No caso particular das estelas funerárias, regista-se uma curiosa diversidade de formas. Terminavam superiormente num recorte semicircular e de tamanho suficiente para ficarem cravadas (pelo espigão ou haste a que a parte discóide se ligava), em posição vertical, em cavidades abertas no solo, do lado da cabeceira da correspondente sepultura.
À semelhança de outras estelas identificadas na região de Viseu, as peças identificadas neste concelho transmitem uma importante carga religiosa (rosáceas, festões, estrelas, discos, etc.), profundamente ligadas a antigas tradições, lendas e rituais.
Colocadas nas campas, como hoje a cruz, protegiam, ao que parece, os vivos e os mortos contra a influência dos espíritos malignos, ou atraíam os espíritos benévolos.
Às lápides de maior tamanho seria geralmente dada a posição horizontal, porque serviam de tampa de cobertura aos sarcófagos monolíticos ou às sepulturas de inumação escavadas na rocha.
Apesar dos vários tipos de enterramentos praticados no concelho de Moimenta da Beira, a arquitectura medieval é, até ao presente momento, praticamente inexistente.
A partir da Época Moderna, sabemos que o território que neste momento compõe o concelho de Moimenta da Beira esteve dividido, administrativamente, em oito municípios: Caria, Castelo, Leomil, Moimenta da Beira, Nagosa, Paçô, Peravelha e Sever. Com a fundação dos concelhos e a consequente organização administrativa, política e social edificaram-se Pelourinhos e Casas da Câmara. Do ponto de vista religioso, as comunidades expressaram a sua devoção construindo Conventos, Igrejas, Capelas e Cruzeiros.
Imagem VI - Convento Beneditino de Nossa Senhora da Purificação
Neste panorama enquadra-se perfeitamente o Terreiro das Freiras (freguesia de Moimenta da Beira) e o seu belíssimo conjunto arquitectónico, designadamente: o Convento Beneditino de Nossa Senhora da Purificação (do século XVI, de traça maneirista, barroca e rococó, composto pela igreja com coro, duas sacristias, dormitórios, refeitório, claustros, fontes e uma cerca - ver imagem VI), o Solar dos Guedes (exemplar de arquitectura civil privada do século XVIII, estilo rococó, que passou a ser uma instituição pública de expansão da Cultura - a Biblioteca Municipal Aquilino Ribeiro), o Solar Correia Alves (edifício do século XVII recuperado para Turismo de Habitação), a Capela de Nossa Senhora do Amparo (provavelmente do século XVI), a Fonte da Pipa (do século XVIII), entre outros edifícios dignos de nota, não esquecendo a presença do antigo Pelourinho.
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