TRADIÇÕES
Freguesia rica em tradições, Aboboreira conserva ainda grande parte dos hábitos, usos e costumes de outrora. Assim, ainda hoje são conhecidas e transmitidas de geração em geração várias crenças e superstições, quase sempre associadas ao carácter rural da população. Os provérbios, por exemplo, exprimiam as condições climatéricas, que exercem grande importância na agricultura.
Provérbios
·“Em Abril águas mil coadas por um mandil.” ·“Março marçagão, manhã de Inverno, tarde de Verão.”
A cultura popular destas gentes expressa-se também por conjuntos de versos que retratam histórias da aldeia:
Décima
Era uma hora da tarde Ao Panascoso chegou A casa da rapariga ele procurou Boa tarde menina Maria Venho um pouco agoniado Ela lhe deu um copo de água E ele ficou mais descansado Quando chegou à Aboboreira Deu logo o seu corpo à cama Quando foi o outro dia Lá chegou a sua mana O que tens mano José Não te alevantes da cama O que tenho ó minha mana Eu te digo por igual Já me dói o corpo todo Tenho de ir para o hospital Não me digas isso ó mano José Que me dás penas a mim Vou chamar a nossa mãe Que venha para o pé de ti Quando ela lá chegou Mas tão triste ela ia O que tens tu ó meu filho Que estás numa grande agonia O que tenho ó minha mãe Eu lhe digo com razão Entrego minha alma a Deus E o meu corpo ao caixão Sua mãe se retirou a pensar na sua vida Mandou logo o portador Para chamar a rapariga Quando ela cá chegou Vinha um pouco assustada Quando o seu amor lhe disse Nem solteira nem casada Lindo amor diz na razão Volta-te cá para o meu lado E dá-me um aperto de mão O José já não ouviu O adeus da rapariga Já Deus o tinha levado Já estava na outra vida Coradas novas coradas Lá por cima de Lisboa Este foi acontecido José Palhota e Maria Boa.
Décima
Linda árvore é o sobreiro Não há outra igual Deixa muito rendimento À Nação de Portugal
Por ser a árvore real De longe deita a sua fama Deixa por inglinidade Não deixa cair a rama
Se ela ao dono não engana Nem o deseja enganar Primeira fruta que ela dá Para os gados engordar
Dá-lhe a árvore em secar Na alimpa não tem preguiça Vai crescendo e enfeitando Sua farda é a cortiça
Foi vendida por justiça Esculturas, tabeliães Começou a render contos Foi acabar em milhões
Foi vendida aos cidadãos Por muita honra e brio Eu não vendo sem passar A escritura ao algarvio
Para sustentar o seu brio Muitos anos e meses Isto foi o novo contrato Que fizeram os ingleses
Tenho-vos dito imensas vezes Não se querem acreditar O negócio da cortiça Por tempo vai acabar
Dá-lhe a árvore em secar Dá-lhe a flor em cair Vem o dono tira a casca Para a sola ir curtir
Dali se começa a medir Numas pernadas bem direitas Deita arados e charruas Faz obras bem feitas
Dali sai o que é preciso Deita varas para lagares Deita dentes para rodrizes Rapazes tomem juízo
A machada vai na mão O que não serve para madeira É desfeita para carvão Da cinza se faz o sabão
Proveito é da lavadeira Está lavando regalando Lá no rio da ribeira Se é casada ou é solteira
Até no lavar se ocupa Se a roupa não fica boa O sabão carrega com a culpa
Coradas novas coradas Lá por cima do mês de Outono Agora é que se está vendo Que o sobreiro deixa o dono.
Quadras
Chamas-te pé de ginja Por eu ser tão delicada Não sou bonita nem feia Sou em ti mal empregada.
Chamaste-me trigo limpo Eu sou a pura cevada Tu és rico eu sou pobre Eu ao pé de ti não tenho nada.
Foste dizer mal de mim Ao rapaz que me namora Se ele muito me queira dantes Muito mais me quer agora.
Foste dizer ao meu pai Sem saber se queria eu Em tudo o meu pai governa Nessa parte quem manda sou eu
Não olhes para mim Não olhes que eu Não sou como a figueira Que floreta sem flor.
Meu amor me disse Eu graça lhe achei Não andes descalça Que eu te calçarei.
A vida de resineiro É uma vida amargurada Quer de dia quer de noite Tem a sua vida enrascada.
No outro dia de madrugada Parece um soldado que vai para a guerra Quando é o primeiro tiro Coloca logo o joelho em terra.
Às vezes mal se alimenta Além se ajoelha além se levanta Passa horas esquecido A afiar a ferramenta
O pinheiro geme e chora Com muita razão Volta e meia está ao pé dele Para fazer a operação.
O pinheiro é um simplório A nada sabe dar troco Principalmente ao senhor José do Barroco.
De um lado resineiro De outro lado serrador O inimigo primeiro Foi o ingrato serrador.
Até a bicharada Quis meter o colherão Gaio, pintassilgo Coelho ou tintelhão.
Eu só renovei um ano E não fiquei avisado Não paguei o pinhal aos donos Ainda fiquei empenhado.
Antigamente, uma vez que não existiam grandes facilidades para as pessoas se deslocarem ao médico, a população recorria frequentemente aos chás. No campo eram apanhadas determinadas ervas que tinham diferentes funções:
Chás
·Chá de poejo para a constipação. ·Chá de película de cebola para a constipação. ·Chá de brasas para a tosse. ·Agriões para a gripe. ·Perpétua para a gripe, a bronquite e catarrais.
Actualmente, em Aboboreira, as danças e cantares tradicionais são efectuados apenas em ocasiões de festa ou momentos especiais. Assim, salienta-se uma Marcha, preparada pelos rapazes e raparigas de Aboboreira para a inauguração do Hospital de Mação, e uma Cantiga dos Bailes de terra:
Marcha
Partimos da nossa terra Para irmos para Mação Felicidades aos que ficam E alegria aos que vão
Raparigas, a marcha vai para a frente As cantigas são feitas pela gente Ai, ai, ai, a folha da nogueira A marcha mais linda É a da terra da Aboboreira
Refrão: Sapato branco de bairro alto Lá vai a marcha toda contente Laços e fitas balões ao ar É a alegria da nossa gente
Viva o Senhor Governador Civil E o Senhor Doutor Calado Viva os nossos presidentes Que estão aqui ao nosso lado
Nós somos de Aboboreira Concelho de Mação Pedimos ao Senhor Doutor Abílio Que nos dê a sua mão
Refrão
Senhor Governador Civil Estendemos a nossa mão Por favor dê uma fonte Que nos console o coração
Refrão
Rapazes e raparigas Sigam todos para a frente Visitar o Hospital Para amparo da gente
Refrão
Cantiga dos Bailes
Olha para o meu lado direito Na perna leva um defeito Vou sempre a cambalear Chego a casa encaro com a luz Caio na cama catrapus Já não posso mais andar E ao pensar em mim sozinho Eu pus-me a olhar para ela Para viver com mulher aquela Mais vale viver sozinho Abre a porta e a janela Vejo passar a donzela Com modo cinceriosinho Eu pus-me a olhar para ela Para viver com mulher aquela Mais me vale viver sozinho.
Aboboreira guarda nas suas tradições a realização de diversas festas e romarias que são na sua maior parte dedicadas à religião. Assim, a população de toda a freguesia faz questão de estar presente nas seguintes festas: São Silvestre, no dia 31 de Dezembro; Nossa Senhora da Conceição, no primeiro fim de semana de Agosto; e a Festa da Espiga, efectuada na quinta-feira da Ascensão.
Muitas das festividades desta localidade perderam-se no tempo e, para além das acima referidas, restam aquelas que originam a reunião das famílias, como o Natal ou a Páscoa.
A matança do porco ocupa também um lugar de relevo no seio desta comunidade, realizando-se na altura mais fria do Inverno, para que as carnes não se estraguem. Os homens agarram o porco, levando-o para um banco de pedra ou madeira, onde o sangrador o mata com um golpe na goela. O sangue corre e é aparado pela mulher da casa para um alguidar, onde previamente se havia colocado algumas cabeças de alho picado, sal e um pouco de vinho tinto. Este sangue é imediatamente posto num pote com água a ferver, cozendo durante algum tempo. Os homens raspam a pele do animal com facas velhas, denominadas farruscas. Em seguida lavam o porco com água fria, pendurando-o depois de cabeça para baixo num compartimento frio. No dia seguinte, o sangrador faz a desfeita do animal, ou seja, parte a carne em pedaços.
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